sábado, 4 de maio de 2013

A menoridade penal e a impunidade - José Raffaelli Santinijuiz de direito aposentado.

 Durante quase sete anos, exerci a função de juiz da então Vara da Infância e da Juventude, da comarca de Poços de Caldas.

Com efeito, a experiência adquirida no exercício de tão honroso “munus” levou-me a escrever pela editora Del Rey, livro intitulado “Adoção-Guarda-Medidas-Socioeducativas”.
Note-se que tal publicação se deu nos idos de 1996, quando ainda estava no efetivo exercício do cargo.
 
Todavia, considerando-se a grande e acirrada discussão que ora se trava a respeito da necessidade da diminuição da idade para fins de responsabilidade penal para 16 anos, em virtude da impunidade que corre solta no Brasil, resolvi trazer a público excerto do mesmo, constante do subtítulo: “O Estatuto da Criança e do Adolescente, sua reforma e aplicação”, pela sua incrível e impressionante atualidade, mesmo depois de passados 17 anos de sua publicação.
 
Foi dito naquela oportunidade, mas se aplica como se fosse escrito para os dias de hoje, sem que, contudo, nenhuma providência efetiva fosse tomada pelos “donos” do poder, o seguinte:
 
“A internação em estabelecimento educacional é a mais severa das medidas socioeducativas que poderá ser imposta ao adolescente pela prática de ato infracional, de acordo com o ECA. Por ele, considera-se criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos e adolescente entre 12 e 18 anos de idade.
Constitui-se, ademais, a internação, segundo o mesmo diploma legal, medida privativa de liberdade, podendo-se ser aplicada em caso de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa ou por reiteração no cometimento de outras infrações graves.
 
Já no que concerne ao tempo de duração da supracitada medida, o ECA é taxativo, ao dispor que ‘em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos’.
Todavia, esta imposição legal não condiz com a realidade brasileira, cuja sociedade cada vez mais está a exigir o fim da impunidade, com a aplicação e o cumprimento de pena consentânea com o delito praticado pelo infrator.
 
O certo é que multiplicam-se pelos quatro cantos do Brasil acontecimentos dos mais trágicos, fazendo merecer uma resposta rápida por parte do legislador, com a reforma de nossa legislação menorista. (…).
Veja-se, a propósito, exemplo prático de determinada situação ilógica que enfrentei. Três jovens com identidade de propósito delituoso roubaram e em seguida mataram, com resquícios de crueldade, um taxista. Praticaram, pois, o delito de latrocínio, que, pela lei n. 8.072/90, é considerado crime hediondo. Dois deles possuíam mais de 18 anos de idade e o terceiro 17 anos.
 
Ressalte-se que o adolescente tido como penalmente irresponsável foi o autor intelectual do crime, cujo plano e forma de execução retratou em juízo com precisão de detalhes e frieza absoluta. Ao final, os considerados como penalmente responsáveis foram condenados a 20 anos de reclusão cada um.
Já o adolescente, por não possuir ainda 18 anos, tendo em vista a sua menoridade penal, recebeu como reprimenda a medida socioeducativa de internação em estabelecimento educacional por 3 anos, pelo ato de barbárie cometido.
 
Destarte, ainda agora, todos os meios de comunicação estão a noticiar o ocorrido em Brasília quando um jovem de apenas 16 anos fora assassinado por 11 membros de uma gangue denominada “Falange Satânica”. Destes, 4 já foram julgados, sendo 2 adolescentes penalmente irresponsáveis. Com relação a eles, determinou-se-lhes a internação por 3 anos. Já os outros 2 maiores de 18 anos, julgados pelo Tribunal do Júri, foram condenados a 16 anos de prisão.
 
Urge, portanto, que medidas saneadoras sejam tomadas, antes que passe a vigorar o império da força, fazendo-se justiça pelas próprias mãos.
Assim, aos 16 anos, o jovem deveria ser responsabilizado penalmente por seus atos, ao menos no que tange aos denominados crimes hediondos, pois, afinal, com esta idade já exerce ele o direito do voto, tendo, ademais, pleno discernimento ao agir.
Ainda mais: o adolescente que praticasse crime hediondo (latrocínio, estupro, homicídio qualificado etc.), ou outras infrações graves definidas em lei, seria apenado com maior severidade.
 
O juiz, por sua vez, deveria ter maior poder discricionário na aplicação da reprimenda a ser imposta, fixada sua quantidade dentro dos limites previstos em lei, porém, com maior rigor e elasticidade, de acordo com o caso concreto, e não como ocorre hoje, em que o magistrado se vê tolhido na sua função jurisdicional, sendo obrigado a aplicar medidas, que, em absoluto, não se coadunam com a gravidade do ato praticado, e isto em se considerando que a reprimenda ao adolescente infrator se limita a 3 anos.
 
Por fim, a autoridade judiciária teria, de fato, a seu dispor, estabelecimento educacional adequado, onde o adolescente infrator pudesse ser colocado, visando à sua recuperação, circunstância que, atualmente, não passa de mera figura de retórica, inscrita em nossa legislação.
 
A verdade é que, como está a situação não pode perdurar, pois a insegurança que atinge o cidadão, em virtude da impunidade reinante, além do inquietamento social que traz, significa, em última análise, o descrédito às instituições e, em especial, do próprio Judiciário”.
 
Acrescento, finalmente, e o faço agora, que, foi-se o tempo, em que se apregoava a tão decantada “cordialidade” do brasileiro, afirmação hoje que soa apenas como mera peça de retórica.
 
 
 
 
 

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