*QUEM JULGA EXCEÇÃO DA VERDADE PROPOSTA EM FACE DE CRIME IMPUTADO A JUIZ DE DIREITO?
COMPETÊNCIA
PENAL:
PRERROGATIVA DE FUNÇÃO DA VÍTIMA???
Como regra, a prerrogativa de foro é destinada
ao autor do crime que o pratica no exercício de alguma função pública, contudo,
existe uma situação muito peculiar, em que a qualidade funcional da vítima
acaba conduzindo a uma modificação da competência, e que vem disciplinada no
art. 85 do CPP.
Vejamos agora sua incidência em um exemplo
hipotético:
O empresário Manoel, dono de um supermercado de
pequena cidade do interior, divulga amplamente em seu estabelecimento que
recebeu um cheque sem provisão de fundos do juiz de direito da comarca.
Sentindo-se
ofendido pela falsa imputação de um delito (o de estelionato, art. 171, VI, do
CP), o magistrado ajuíza uma queixa crime em face do empresário, acusando-lhe
da prática do crime de calúnia, previsto no art. 138 do CP.
Recebida a queixa,
no prazo legal o empresário faz a “exceção da verdade”, propondo- se a demonstrar
a veracidade do alegado e, portanto, afastando a incidência do crime de
calúnia.
Nesse momento, existe uma inversão interessante no
processo, pois o querelado (empresário) passa para o polo ativo na exceção da
verdade, e o querelante (juiz) passa a ser então o imputado do crime de
estelionato.
Logo, o
juiz do processo não pode julgar a exceção da verdade, pois, em última análise,
estaria julgado outro juiz.
Assim, diante da exceção da verdade, a
prerrogativa de função do querelante (vítima do delito de calúnia) exige que
essa exceção seja encaminhada ao Tribunal de Justiça do Estado (órgão
competente para julgamento originário dos juízes de direito) que a julgará.
Importante que nesse momento, com a exceção, quem passa a ser julgado é o juiz
de direito, por isso o deslocamento da competência para o tribunal competente
para julgá-lo.
Nesse julgamento pode ocorrer que a exceção da
verdade seja rejeitada (retornando os autos à comarca de origem para
continuidade do julgamento); ou que a exceção da verdade seja acolhida
(situação em que deve ser extinto o processo iniciado pela queixa crime, pois
não houve a calúnia).
Mas, nesse momento, apurou-se que o juiz praticou o
delito de estelionato do art. 171, VI, do CP.
Diante disso, deverá o
desembargador relator encaminhar cópia dos autos para o Ministério Público
(art. 40 do CPP), para que seja investigada a prática do delito de estelionato
ou diretamente oferecida a denúncia com base nos elementos já apurados na
exceção da verdade. Esse processo tramitará originariamente no Tribunal de
Justiça do Estado.
Assim, eis uma situação excepcional, em que o
detentor da prerrogativa de foro, inicialmente vítima do crime, passa a ser a
imputada de outra infração. Para que a conduta criminosa a ela atribuída possa
ser apreciada, é fundamental o encaminhamento da exceção para o órgão
competente para julgá-la.
* Este hipotético caso foi relatado pelo prof. Aury Lopes jr.
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