domingo, 9 de junho de 2013

 

*STF: Substituição da pena em crime de lesão corporal leve e violência contra mulher - impossibilidade.                alice bianchini

A Segunda Turma do STF, em 16 de abril de 2013, negou, por unanimidade, a possibilidade da substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (também chamadas “penas alternativas”) a um agressor que ofendeu a integridade física de sua ex-companheira, nos termos do art. 129, § 9º, da Lei 11.340/06 (HC 114703 – MS).

Antes da decisão do Supremo, o STJ havia se manifestado no processo, entendendo da mesma forma (ou seja, negando a conversão da pena privativa em restritiva de direito – REsp 1296023/MS. 5ª Turma. j. em 06.02.12).
 
As decisões do STF e STJ reformaram o julgado de 1º grau, que após condenar o agente à pena de detenção de três meses, converteu-a em prestação de serviços à comunidade durante quatro horas semanais e comparecimento obrigatório em programa de reeducação e recuperação social.
 
Tal decisão foi objeto de recurso tanto da defesa quanto da acusação, tendo sido confirmada pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (Apelação Criminal nº 0073415-62.2007.8.12.0001. 2ª Câmara Criminal. Relator: Des. Manoel Mendes Carli. j. em 25.07.11.).
 
Argumento do STJ – entendendo pela impossibilidade de substituição
 
Em decisão monocrática[1] – posteriormente confirmada pela 5ª Turma em agravo regimental[2] -, a Ministra Laurita Vaz entendeu pela impossibilidade da substituição da pena. Em suas razões de decidir, trouxe a seguinte justificativa:
 
- para fazer jus ao benefício, o agente deveria preencher os requisitos objetivos e subjetivos previstos no art. 44 do Código Penal. E, no caso concreto, como o agressor cometera crime de lesão corporal, haveria obstáculo legal à concessão do benefício, qual seja, o inciso I do dispositivo anteriormente mencionado.
 
Colacionou, ainda, a Ministra, alguns julgados da Corte neste mesmo sentido, sinalizando ser este o entendimento dominante.
 
Inconformada, a defesa impetrou habeas corpus perante o STF com a finalidade de restabelecer a decisão do TJMS, mantendo a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos. Argumentou, primeiramente, que o “julgado [do STJ] ofende o princípio da razoabilidade, já que a substituição da pena se mostra mais socialmente recomendável.”.
 
Aduziu, ainda, que a legislação aplicável ao caso (Lei Maria da Penha) não proíbe a concessão do benefício, mas apenas veda “a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa” (artigo 17 da citada lei), o que, por óbvio, não elide a aplicação da benesse como um todo.
 
Argumentos do STF – entendendo pela impossibilidade de conversão
 
No STF, o Ministro Gilmar Mendes, acompanhado por unanimidade, negou o pedido de HC, entendendo que o crime fora cometido com violência à pessoa.
 
Para tanto, descreveu alguns trechos da denúncia, segundo a qual o paciente houvera agredido sua ex-companheira com chutes, socos, empurrões, além de ter apertado o seu pescoço.
 
Ressaltou o Relator que “embora a pena privativa de liberdade aplicada seja inferior a quatro anos, o crime foi cometido com violência à pessoa, motivo aparentemente suficiente para impedir o benefício da substituição da pena”, consoante o inciso I do artigo 44 do Código Penal. Seguiu, portanto, a mesma orientação do STJ.
 
Este é o primeiro precedente do STF sobre a questão estudada.
 
 A demora se justifica na medida em que o filtro constitucional – cada vez mais restrito – dificulta a análise do assunto (eminentemente infraconstitucional) pela Corte. De qualquer forma, o julgado poderá sinalizar um alinhamento com a posição consolidada do STJ, qual seja, a impossibilidade – sem quaisquer ressalvas – de se substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos casos de lesão corporal leve praticada no âmbito doméstico.
 
Conclusão
 
As decisões ora analisadas, acertadamente, não levaram em conta o contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, uma vez que a razão de decidir pelo afastamento da pena restritiva de direito foi objetiva (ausência de um dos seus requisitos autorizadores, qual seja, inexistência de violência contra a pessoa).
Convém compreender que nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, ainda que se configure uma lesão corporal leve (que pode deixar a pessoa incapacitada para suas atividades habituais por 30 dias), normalmente o contexto é mais dramático, uma vez que dificilmente a violência se dá de forma isolada, como ato único na vida do casal.
 
 A Lei Maria da Penha, reconhecendo tal situação (e tratando somente dela) em grande parte do seu texto, utiliza a expressão “mulher em situação de violência doméstica e familiar”. Isso decorre do intricado contexto que normalmente envolve a conduta praticada pelo agressor:
 
- habitualidade: 20% das mulheres vítimas sofrem violência todos os dias (DataSenado 2011);
 
- opressão: das mulheres que sofrem violência, 20% permanece na situação por medo de vingança do opressor (DataSenado 2011);
 
- intensa carga de violência: de cada 10 mulheres assassinadas no Brasil, 7 foram mortas por pessoas com quem elas mantinham um vínculo afetivo (BLAY, 2011)[3];
 
- elevado risco de vida para a mulher: 52% das violências cometidas pelos maridos e companheiros foram de risco de morte para a mulher (Central de Atendimento à Mulher – Disque 180, de janeiro a julho de 2012[4]);
 
- sentimento de posse (patriarcado): conforme Maria Amélia Teles e Mônica de Melo, a violência de gênero representa “uma relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher. Demonstra que os papéis impostos às mulheres e aos homens, consolidados ao longo da história e reforçados pelo patriarcado e sua ideologia, induzem relações violentas entre os sexos.” (O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2002.)
 
- longo tempo de duração da violência: o ciclo da violência costuma manifestar-se reiteradas vezes na vida do casal e as mulheres levam de 9 a 10 anos para rompê-lo definitivamente.[5]
 
- dentre outros.
Bem se vê, assim, que não se trata de uma conduta cuja gravidade possa ser circunscrita a um contexto isolado. Ao contrário, a utilização das normas previstas na Lei Maria da Penha, justificam-se pela gravidade e pela complexidade da situação.
 
Diferente, no entanto, seria o direcionamento a ser dado nos casos de ocorrência isolada, de escassa gravidade e que não estivesse baseada em uma questão de gênero. Em tais situações a diminuta gravidade do fato não justificaria uma resposta estatal (pena privativa de liberdade) tão intensa.
 
Trata-se de observar, aqui, o princípio da proporcionalidade, cuja aplicação se estende para também alcançar o momento da fixação da pena. Aliás, nesses casos, convém lembrar, nem sequer estaria autorizada a utilização das normas contidas na Lei Maria da Penha.
 
 
 
 
 
 
 

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