terça-feira, 11 de junho de 2013

Ou bem eu, ou bem os outros? - leo rosa

É “impossível ser fiel a si e aos outros ao mesmo tempo e ainda ser feliz.”

 Ninguém servirá plenamente, nem a si, nem às tantas exigências que nos são feitas.  l

O sujeito, em condições adversas, põe-se a transitar por uma estrada interditada. O provável acidente acontece. Desacordado, perde o controle do delicado e secreto equilíbrio em que se vinha mantendo entre as duas famílias que constituíra. No quarto do hospital, exposto ao debate travado pelos envolvidos na sua vida, acaba tendo que assumir, justificar e, por fim, defender a sua “causa”. Enquanto A Descida do Monte Morgan se desenrola como comédia, um tema existencial prende a plateia ao palco: é possível ser fiel a si e aos outros ao mesmo tempo? A vida é a busca da felicidade ou o cumprimento dos compromissos rituais da sociedade?
 
A mim, a peça disse que acabamos nos traindo a nós mesmos e nos transtornando por dar demasiada atenção aos moralismos dominantes. A maioria da crítica vê a peça como uma discussão sobre o individualismo; eu prefiro vê-la como um discurso sobre o indivíduo. Todos temos vontades emocionais peculiares que gostaríamos de realizar, mas nos deparamos com as fórmulas sociais postas como condição para cumpri-las e temos que forçar nossa vida a caber numa delas. Lyman, o marido acidentado, não fugiu da fórmula mais comum de viver o amor: casou. Mas multiplicou-a, amando duas mulheres, constituindo duas famílias, fazendo filhos nos dois lares.
 
Gozava a vida, mas o seu modo de ser feliz era interditado pelos costumes, então era certo que um dia aconteceria confusão. Aconteceu. Um acidente pediu famílias em correria ao ente querido. O acidentado ente querido de duas provocou uma reunião de três com intervenção de cinco, a contar filhos, ou de sete, a se somar advogado e enfermeira. Então, uma discussão de relação. O marido tem que se explicar a todos, mas as mulheres, Theodora e Leah, têm que se explicar a si mesmas: afinal, que tipo de existência levavam, para nem ao menos saber com quem estavam vivendo? Ambas, cujas vidas próprias eram mais a do marido comum, de início claudicam, mas depois se aprofundam no que são: uma, mulher do lar; a outra, negociante.
 
A peça baseia-se em texto de Arthur Miller; as informações estão na internet. Reparto algumas das tantas boas reflexões que me fazem recomendar o espetáculo: “O que é o principal?” Parece-me que, de fato, não fazemos a conta do que é o fundamental em nossa existência. “Só queria dizer em voz alta.” Não pensamos em voz alta, ainda que com hipocrisia declaremos que admiramos a sinceridade alheia. “Qual será o seu futuro arrependimento?” Deixaríamos de fazer alguma coisa se soubéssemos no que daria? Não há garantias, não é? “Eu decidi enrolar.” Não é incomum decidirmos não decidir, o que, em muitas circunstâncias, pode ser mesmo a melhor decisão.
 
“Por que continuamos juntos depois que descobrimos com quem estamos?” Alguém já não vale muito a nosso ver, entretanto permanecemos, apesar de desenganado, vencido e desrespeitado, um caso de amor. “Se eu for perdoado, terei que passar o resto da vida de joelhos.” Perdões convertem-se em créditos sempre exigíveis. Se exigidos, contudo, não são pagos, seja porque não se quer recebê-los, seja porque são impagáveis. Todo perdoado tem uma pesada dívida eterna.
 
É “impossível ser fiel a si e aos outros ao mesmo tempo e ainda ser feliz.” Ninguém servirá plenamente, nem a si, nem às tantas exigências que nos são feitas. Isso não significa: ou eu, ou os outros. É, apenas, não ser tributário de formas infelizes de viver; quem alcançar ser feliz deve de sê-lo, “e não se desculpar por isso.” Desculpar-se é “não ter coragem” de optar, deixar coisas para trás, seguir com o que tem vontade. Afinal, “fazer o que se quer é falta de lucidez?” A meu ver, o herói do enredo não se preocupou em “violar a lei da hipocrisia”. Sustento que ele, ainda que à sua revelia, premido pelas circunstâncias do acidente, a revogou.
 
 
 

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