Juiz dá sermão em marido violento em vez de prender - estadao
Magistrado de Mato Grosso já deu ‘conselho’ a agressores em oito casos;
feministas alertam para risco de desvirtuamento da Lei Maria da Penha
Um juiz de Mato Grosso resolveu trocar a prisão de homens enquadrados na Lei
Maria da Penha pelo bom e velho sermão. Titular da 1.ª Vara de Violência
Doméstica e Familiar Contra Mulher de Cuiabá, Jamilson Haddad chegou à conclusão
de que falar diretamente com homens agressores é mais eficiente do que mandá-los
para a cadeia.
A iniciativa começou no mês passado e já foi aplicada em oito casos - de
ameaça de morte a lesão corporal. “O juiz se depara com um agressor que não tem
antecedentes nem histórico de violência. Vemos um enfraquecimento da família,
com alto nível de estresse e ansiedade, que, por vezes, termina em
desentendimento”, diz Haddad.
O magistrado considera que a prisão é menos
educativa para o agressor do que uma audiência para convencê-lo a não voltar a
praticar o crime.
Essa postura, no entanto, causa polêmica. Para a advogada Maria Amélia de
Almeida Teles, presidente da União de Mulheres de São Paulo e coordenadora do
Programa Promotoras Legais Populares, o juiz chamar a atenção do homem violento
não é o bastante.
“O importante é o Judiciário tomar consciência de que tem de
aplicar de fato a lei. Cada caso é um caso e não dá para generalizar”, afirma.
“O agressor tem de ser devidamente punido. O Judiciário desvaloriza as denúncias
feitas pelas mulheres e não dá credibilidade a elas. (A Justiça) as tem colocado
em risco. É um fato o aumento da violência.”
A primeira sessão em Cuiabá para dar uma “dura” no marido violento envolveu
ameaça a uma mulher grávida. Ele corria o risco de perder o emprego se
continuasse na prisão. Haddad, então, o chamou para adverti-lo sobre o que
aconteceria se agisse igual de novo. “Na audiência, ele chorou muito e agradeceu
pela nova chance.” O casal se separou e não houve notícia de novos
conflitos.
Proteção. Na Lei Maria da Penha, não estão previstas essas
audiências, mas é permitido que o juiz conceda medidas para proteger a mulher.
Além da prisão preventiva - a mais tradicional -, estão o afastamento do acusado
do lar e a obrigação de ficar a uma distância mínima da vítima. Haddad não deixa
de aplicar essas restrições.
Segundo especialistas, a conciliação informal já ocorre em delegacias ou por
promotores em cidades pequenas, antes mesmo da prisão ou da denúncia chegar à
Justiça.
O jurista Luiz Flávio Gomes diz que o sermão só funciona se outras medidas de
proteção, como a separação de corpos, forem tomadas também.
“Em família, nenhum
incêndio começa grande. É preciso ter todas as cautelas.”No Espírito Santo, a
iniciativa de chamar o acusado para receber advertência já foi aplicada de forma
semelhante, apesar de não ser um requisito na hora de o juiz decretar a
liberdade. O Estado é referência em políticas de combate à violência doméstica.
Foi em Vitória que mulheres ganharam neste ano um “botão do pânico”, com um GPS
que localiza a vítima em caso de ataque.
“Isso (a audiência com o juiz) não tira
o fato de o acusado responder ao processo criminal e ser condenado ou não”,
diz
Carlos Eduardo do Amaral, defensor público capixaba.
“As próprias famílias
visitam os agressores na prisão. Às vezes, são as mães que os colocaram lá. Eles
são diferentes de um assaltante a banco. Funciona uma conversa séria na sala de
audiência”, afirma Amaral.
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