CONFLITO ENTRE A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA E OS
TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS - luiz flávio gomes
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Depois do antológico voto do Min. Celso de Mello, lido no dia
12.03.08 (no Pleno do STF - HC 87.585-TO e RE 466.343-SP), que reconheceu o
valor constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos (sobre o
tema cf.GOMES, L.F., Estado constitucional de direito e a nova pirâmide
jurídica, São Paulo: Premier, 2008, p. 30 e ss.), vale a pena enfocar a questão
do conflito entre esses tratados e a Constituição brasileira.
Vamos a um exemplo: conflito entre, de um lado, o art. 7º, 7,
da CADH e o art. 11 do PIDCP (que não permitem a prisão civil do depositário
infiel) e, de outro, a CF, art. 5º, inc. LXVII (que prevê a prisão civil do
depositário infiel).
O Min. Gilmar Mendes (no RE 466.343-SP) firmou o entendimento
de que tais tratados internacionais possuem (no Brasil) valor supralegal. Ou
seja: valem mais do que a lei ordinária e menos que a Constituição Federal. O
Min. Celso de Mello (HC 87.585-TO) proclamou o valor constitucional de tais
tratados (tese da paridade constitucional, por força do § 2º do art. 5º, da CF).
A conseqüência primeira (e prática) de ambas as orientações
jurisprudenciais que acabam de ser elencadas consiste no seguinte: o DIDH vale
mais que a legislação ordinária. Quando há conflito entre ela e o tratado
internacional de direitos humanos, vale o tratado (que conta com primazia, com
posição hierárquica superior). Pouco importa se o direito ordinário é precedente
ou posterior ao tratado. Em ambas as hipóteses, desde que conflitante com o
DIDH, afasta-se a sua aplicabilidade (sua validade).
A incompatibilidade vertical ascendente (entre o direito
interno e o DIDH) resolve-se em favor da norma hierarquicamente superior (norma
internacional), que produz "efeito paralisante" da eficácia da norma inferior
(Gilmar Mendes). Não a revoga, apenas paralisa o seu efeito prático (ou seja:
sua validade). No caso da prisão civil, todas as normas internas (anteriores ou
posteriores à CADH) perderam sua eficácia prática (isto é, sua validade).
Indaga-se: e quando os tratados internacionais conflitam com a
Constituição brasileira, isto é, quando a incompatibilidade vertical ocorrer
entre o DIDH e a CF, qual norma prepondera? Como podemos dirimir esse conflito?
No seu voto (HC 87.585-TO) o Min. Celso de Mello dividiu o
Direito Internacional em dois blocos: (a) tratados de direitos humanos e (b)
outros tratados internacionais (mercantil, v.g.). Os primeiros contam com status
constitucional. Os segundos não (valem como lei ordinária).
No que diz respeito aos primeiros (tratados de direitos
humanos) uma outra fundamental distinção foi feita: (a) o tratado não restringe
nem elimina qualquer direito ou garantia previsto na CF brasileira (explicita-o
ou amplia o seu exercício); (b) o tratado conflita com a CF (o tratado restringe
ou suprime ou impõe modificação gravosa ou elimina um direito ou garantia
constitucional).
Na primeira hipótese a validade da norma internacional é
indiscutível (porque ela está complementando a CF, especificando um direito ou
garantia ou ampliando o seu exercício). Nesse sentido: RHC 79.785, rel. Min.
Sepúlveda Pertence. Todas as normas internacionais que especificam ou ampliam o
exercício de um direito ou garantia constitucional passam a compor o chamado
"bloco de constitucionalidade" (que é a somatória daquilo que se adiciona à
Constituição, em razão dos seus valores e princípios).
Na segunda hipótese (o tratado restringe ou suprime ou impõe
modificação gravosa ou elimina um direito ou garantia constitucional) ficou
proclamada (no voto do Min. Celso de Mello) a primazia da CF. Aplica-se, como se
vê, sempre a norma mais favorável ao exercício do direito ou da garantia.
No fundo, o conflito (entre o tratado internacional de direitos
humanos e a CF) está sendo resolvido pela lógica e orientação dada pelo
princípio pro homine. O Min. Celso de Mello a ele (expressamente) não faz
nenhuma referência. Mas é exatamente ele que está brilhando (como nunca) nas
lições do Ministro.
No plano material, quando se analisa o Direito dos Direitos
Humanos, os três ordenamentos jurídicos que o contempla (CF, DIDH e legislação
ordinária) caracterizam-se por possuir, entre eles, vasos comunicantes (ou seja:
eles se retroalimentam e se complementam - eles "dialogam").
Em outras palavras, no plano material não há que se falar (ou
melhor: é irrelevante falar) em hierarquia entre as normas de Direitos Humanos.
Por quê?
Porque por força do princípio ou regra pro homine sempre será aplicável
(no caso concreto) a que mais amplia o gozo de um direito ou de uma liberdade ou
de uma garantia. Materialmente falando, portanto, não é o status ou posição
hierárquica da norma que vale, sim, o seu conteúdo (porque sempre irá
preponderar a que mais amplia o exercício do direito ou da garantia).
A fundamentação para o que acaba de ser exposto é a seguinte:
por força do art. 27 da Convenção de Viena (que cuida do Direito dos Tratados
internacionais), "nenhum Estado que faz parte de algum tratado pode deixar de
cumpri-lo invocando seu Direito interno". Pouco importa se se trata de uma norma
(doméstica) constitucional ou infraconstitucional, impõe-se ao Estado cumprir
suas obrigações internacionais, assumidas por meio dos tratados.
Conclusão: por força do princípio pro homine a divergência
entre a posição do Min. Gilmar Mendes (supralegalidade dos tratados) e do Min.
Celso de Mello (constitucionalidade deles) é puramente formal. Na essência,
ambos estão dizendo o seguinte: quando tais tratados ampliam o exercício de um
direito ou garantia, são eles que terão incidência (paralisando-se a eficácia
normativa da regra interna em sentido contrário). Não se trata de "revogação",
sim, de invalidade. Todas as regras no Brasil sobre prisão civil do depositário
infiel são inválidas, porque conflitantes com a CADH (art. 7º, 7) e o PIDCP
(art. 11). O Direito internacional dos direitos humanos, favorável ao ser
humano, possui eficácia paralisante (invalidante) das normas internas em sentido
contrário.
De outro lado, quando o DIDH conflita com a CF brasileira,
restringindo o alcance de algum direito ou garantia, vale a CF.
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