quarta-feira, 2 de setembro de 2009

É ESSENCIAL CONHECER INSTITUTOS DE DIREITO PENAL

É importante para advogado conhecer tecnicamente tipos penais
Recentemente, ao observar uma questão prática de um Exame da Ordem, deparei-me com um questionamento em que se exigia do examinado um conhecimento teórico (técnico) de institutos de Direito Penal, e com base nestes, deveria o examinado elaborar um arrazoado em defesa de seu “cliente”.
A questão envolvia conhecimentos acerca do crime continuado, do concurso material e da objetividade jurídica do delito, bem como da diferenciação entre os delitos de roubo e seqüestro, portanto, com base nesses elementos, estaria sendo discutida qual seria o quantum da pena a ser aplicada na declarada sentença condenatória.
Assim, ao “recorrente” que contasse com um “bom advogado” (examinado), a conseqüência penal (reclusão) seria bem menor do que aquela a ser aplicada ao “recorrente” que não contasse com a presença de um “profissional qualificado”, ou dito de outra forma, sem a presença de um examinado preocupado com o saber jurídico.
Era mais ou menos assim o caso prático:


a) Agentes apontam revólver (municiado) e retiram a vítima do interior de seu veículo automotor; subtraindo o veículo;
b) Após três semanas, o mesmo agente mediante arma de fogo (municiada), aponta-a em direção à uma mulher, e exige que seu filho vá ao estacionamento e entregue uma motocicleta a um comparsa que o aguardava adiante (os agentes eram reincidentes e a mulher tinha 61 anos de idade quando do crime).

Apurado o fato, realiza-se a instrução, havendo a confissão do delito pelos infratores, sendo que as testemunhas e as vítimas reconheceram os agentes do crime, bem como se demonstrou a materialidade delitiva, não existindo qualquer causa que pudesse excluir ou minimizar a ilicitude ou a culpabilidade dos responsáveis.
Nesses termos foi proferida sentença condenatória em razão do concurso material entre dois roubos, sendo que na sentença o juízo primário desprezou a causa genérica de diminuição de pena contida no Código Penal 65, letra D, ou seja, a confissão, bem como reconheceu a reincidência sem que houvesse certidão nos autos.
O examinado não tão bem preparado, fatalmente proporia a peça de Apelação, e pediria ao Tribunal ad quem, somente, o reconhecimento da confissão, bem como alegaria que a reincidência não poderia ter sido reconhecida pelo juízo primário face ausência de prova documental nos autos. Sem dúvida, nesse aspecto, não há o que ser contestado.
Aproveitando a oportunidade e apenas fazendo um paralelo com o narrado na questão, verifica-se que tais fatos ocorrem diariamente no cotidiano, portanto, exige-se do profissional do direito (juiz, promotor, advogado etc) uma capacitação cada vez maior para que seja aplicada as regras do ordenamento jurídico, e assim, não se cometa os “equívocos” tão constantes.
Retornando ao tema, se ficar evidenciada a prática de dois delitos da mesma espécie (dois roubos ou duas extorsões), será aplicado o instituto da continuidade delitiva (CP 71), ou seja, haverá um acréscimo provável de 1/6 [1] sobre a pena, ao passo que, restando o cúmulo material (CP 69), haveria a somatória das respectivas penas, isto é, seria bem maior do que na hipótese do crime continuado.

Da continuidade delitiva e crimes da “mesma espécie”
Nos escólios doutrinários, narra-se que o instituto do crime continuado teve origem entre os séculos XVI e XVII, e sua introdução no ordenamento jurídico fazia sentido, tendo-se em vista a severidade da sanção penal em razão da prática do terceiro furto pelo agente (punia-se com aplicação da sentença de morte).
É que à época, a Europa atravessava fortíssima crise econômica, ou seja, imperava a fome e a miséria, portanto, a aplicação do instituto suavizaria (e muito) a sanção penal, vez que a pena, não seria a morte do agente.
Na atualidade nacional, ocorrendo um delito continuado, a conseqüência é o acréscimo de 1/6 até 2/3 na pena, mas para que tal ocorra, dentre outros requisitos, os crimes devem ser da mesma espécie, e praticados no prazo (via de regra), não superior a 30 dias [2].
Mas o que significa “crimes da mesma espécie”?
Ainda não há pleno consenso do que venha a ser “crimes da mesma espécie”, existindo, pelo menos, dois posicionamentos:

1) São os delitos previstos no mesmo tipo penal, isto é, aqueles que possuem o mesmo elemento descritivo não importando sejam figuras simples (caput) ou qualificadas, tentados ou consumados, culposos ou dolosos, assim, são crimes da mesma espécie o furto simples (CP 155) e o furto qualificado (CP 155, parágrafo 4º), a lesão dolosa (CP 129) e lesão culposa (CP 129, parágrafo 6º).
Defendem esta tese, entre outros, Nelson Hungria, Aníbal Bruno, Damásio de Jesus.
2) São os que ofendem o mesmo bem jurídico, embora previstos em tipos penais incriminadores diferentes. Cita-se como exemplo o roubo (CP 157) com a extorsão (CP 158), (cujos objetos jurídicos, são o patrimônio, a liberdade física e integridade individual), e o estupro (CP 213) com o atentado violento ao pudor (214), cujos bem jurídico é a liberdade sexual.
Abonam esse posicionamento, entre outros, Rogério Greco, Luiz Régis Prado e Delmanto.
Contudo, prevalece jurisprudencialmente a primeira posição (restritiva), todavia, a boa técnica e a lógica, nos impõe acordar com a segunda tese, pois, a razão de ser de um delito, tem tudo a ver com o bem jurídico tutelado pela norma penal [3].


Diferenciação entre roubo e extorsão
Ao presente assunto, também nos importa saber qual é a diferença essencial entre o delito de roubo e o delito de extorsão, pois, suas penas se equivalem (reclusão de 4 a 10 anos, e multa, na figura simples, e acréscimo de 1/3 a metade se qualificados).
Mas então, se as penas são as mesmas, qual seria a razão de ordem prática, que nos obriga a ter em mente os denominados conhecimentos técnicos?
Ora, simplesmente para que ocorra a boa interpretação e a conseqüente aplicação do Direito Penal face seus institutos.
A extorsão não se confunde com o delito de roubo, pois, nesse o agente toma a res pessoalmente (ele a subtrai), já na extorsão o autor faz com que a coisa lhe seja entregue (ou colocada à sua disposição), todavia, o delito de roubo e o de extorsão possuem a mesma objetividade jurídica, isto é, tutelam a integridade física o patrimônio e a liberdade individual do ser humano, portanto, não há razão alguma para que se adote o critério restritivo para a conceituação do que sejam crimes da mesma espécie, a interpretação deve levar em conta a ofensa ao bem jurídico, assim, ad exemplum, a apropriação indébita e o furto admitiriam a continuidade delitiva, pois, deve-se entender como delito da mesma espécie aqueles crimes que tenham o mesmo objeto jurídico, e que guardem, entre si, semelhança em seus elementos subjetivos e objetivos.
De outro vértice, é salutar relembrar que a situação se inverte quando se analisa o crime de furto com o crime de roubo, pois, embora tutele-se o patrimônio em ambos os delitos, no delito de roubo existem outros dois bens a serem protegidos (liberdade individual e a integridade física), assim, resta eventual concurso material de delitos entre esses dois tipos penais.
Enfim, voltando ao problema inserido no Exame da Ordem, (e tentando resolver a questão formulada pelo examinador), deveria o examinado, nos termos do CPP 593, I, interpor o Recurso de Apelação, e alegar a omissão do julgador quando do não reconhecimento da atenuante da confissão, bem como requerer a invalidação do aumento de pena, face a ausência da certidão que comprovaria a reincidência dos agentes, e principalmente, levar ao conhecimento do Tribunal ad quem (examinador), a possível continuidade delitiva entre o delito de roubo e de extorsão, mesmo que a tese não seja abonada jurisprudencialmente, pois, importa ao estudante e ao operador do direito o conhecimento dos aspectos técnicos da Ciência Penal, e seria também demonstrada as diferenças existentes entre o delito de rouco e o delito de extorsão,
Assim, a conseqüência de ordem prática é a seguinte: na eventual condenação, a pena a ser aplicada seria bem menor em razão da observância da continuidade delitiva.
É o que há.


Notas:
1 — Quanto maior o número de delitos praticados, maior será a exasperação, tendo a jurisprudência admitido o seguinte cálculo: 2, 3, 4, 5, 6, 7 ou mais crimes, acréscimo de 1/6, 1/5, ¼, 1/3, ½, 2/3, respectivamente.
2 — Diz-se 30 dias, via de regra, em razão de que nos crimes cometidos anualmente, tais como, alguns delitos tributários, deve-se admitir a continuidade delitiva em termos anuais.
3 — Cita-se a seguinte situação trazida por Jair Leonardo Lopes, citado na obra de Nucci: Imagine-se um balconista, que diariamente, deixa de inserir no caixa certa quantia em dinheiro. Posteriormente, durante outros dias, na ausência do patrão, subtraia outra quantia em dinheiro.
Assim poderíamos tipificar: a primeira conduta, CP 168, par. 1º, III; a segunda conduta, CP 155, parágrafo 4º, II. O bem tutelado é o patrimônio, assim, é indiferente estarem as condutas tipificadas em diferentes tipos penais. Seria razoável e proporcional admitir-se a continuidade delitiva, pois, o concurso material seria desproporcional.

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